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ABOUT

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Nascido em Avanca em 1952, Virgínio Moutinho é arquitecto pela Escola Superior de Belas Artes do Porto - ESBAP, desde 1976, altura em que fundou o seu gabinete de Projecto.


É presentemente colaborador de fábricas de mobiliário como autor de várias peças, que combinam o desenho de mobiliário, a escultura e o brinquedo.

 

Desenvolve a sua actividade desde 1976, nas disciplinas de Arquitectura, Design, Fotografia e Escultura, com diversas obras publicadas e premiadas.

Paralelamente com o trabalho profissional como arquitecto tem vindo a desenvolver uma prática regular na área do Brinquedo, Escultura Cinética e Arte Urbana.

Virgínio Moutinho is a portuguese architect born in 1952. He graduated from Porto School of Fine Arts (ESBAP) in 1976, when he founded his own studio.

Virgínio is currently working with several furniture producers, developing his own projects' designs - a collection of exquisite pieces - which combine Furniture Design, Sculpture and Toys.

 

He won several Architecture and Design prizes, having many of his works published.

 

Alongside his professional work as an architect, Virgínio has developed a regular practice within the fields of Toy, Kinetic Sculpture and Urban Art.

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OFICINA DE TRABALHO

Infância não é tempo, é lugar (mais que lugar um sítio concreto). Nesse sítio se fundam, é sabido, raízes. Que todavia, imaturos frutos nele continuem, tantos anos depois, a persistir, eis o que constitui decerto o mais feliz e inquietante dos milagres.

‘Still crazy after all these years’, o Gino (Virgínio Moutinho) continua a fabricar máquinas desejantes de brincar (desejantes daquilo que, em qualquer lugar de nós, continua a ser capaz de infância).

São máquinas de rasura, feitas de coisas pobres e elementares: madeira, chapa, arame, ar, movimento. E, principalmente, de deslumbramento.

Também a infância foi uma vez feita da deslumbrada matéria dos sonhos. Agora, dos nossos sonhos, restam papéis pelo chão, destroços.

E resta, como um gnomo antiquíssimo, o Gino apanhando do chão os nossos sonhos.

 

Manuel António Pina, 2000

UM GNOMO ANTIQUÍSSIMO

     Arquitecto de formação, Virgínio Moutinho é um obreiro de quimeras a que chama brinquedos. Escultor de utopias, as suas obras aspiram ao perpétuo movimento, à concreta abstracção, ao pleno despojamento, ao paradoxo. E à síntese, na alquímica transmutação da forma em fumo, da substância em poesia.


     Há quatro anos, propôs para o Parque da Cidade, no Porto, um peixe metálico com quase dez metros, que andava debaixo de água e emergia, de tempos a tempos, com um jacto e um urro. A aparição, comandada por um computador, era sempre inesperada, surpreendente.
Saudado por todos, o projecto não se concretizou. «Por falta de verbas» e, provavelmente, aduz o autor, por o seu nome não ter peso na produção escultórica: «Não entrei no mercado, sou um outsider».
     Este ignorado criativo, Virgínio Moutinho de seu nome, cresceu em Avanca nos anos cinquenta, numa casa com quintal, rodeado de gente, de bichos. E isso foi-lhe determinante. Também os pais, ao darem-lhe poucos brinquedos e muita ferramenta, lhe modelaram o futuro. O desafiaram a partir para a construção dos seus próprios objectos lúdicos: «A falta e o desejo de ter desenvolveram-me uma certa capacidade de fazer».
     São as casas, «as maquetas de casas feitas em cartão e presas com alfinetes», as primeiras lembranças do que fez em miúdo, «muito antes de ir para a escola». As primeiras e as mais dolorosas: «Espetava-me muito, às vezes na unha, mas não desistia».
     Cresceu a fazer carros de arame, barcos de casca de pinheiro, carros de rolamentos. E um boneco de feira «com ar rechonchudo, de bebé», transformou-o em herói de aventuras mirabolantes, entre jipes, carrosséis, escorregões, «tudo feito à escala». No apuro da destreza e do faz-de-conta, ajudou-o um Meccano: «uma caixa de construções inglesa, feita com tiras perfuradas, parafusos e rodas».
     Terminados os estudos secundários em Estarreja, matriculou-se em Arquitectura, na Escola de Belas-Artes do Porto. E aqui retoma a construção dos seus brinquedos já «como objectos artísticos», processo em que se exprimem heranças de miúdo e do brinquedo popular: «a figura humana muito desenhada, tudo feito com muito pormenor, com um certo ar naïf».
     Diversifica referentes, abre-se a outras geografias e concepções: «O grande salto da cultura ocidental, nos princípios do século XX, foi quando intercepta outras culturas e, em particular, a arte africana. O cubismo e, antes disso, o fauvismo, têm a ver com a arte africana, com a arte dos povos ditos primitivos. Nós estávamos no auge da representação, da forma completamente explícita e, nessa altura, era necessário desvendar o poder simbólico dos objectos, o seu poder expressivo».

     Progressivamente, as suas criações vão-se tornando mais abstractas, depuradas. Descobre Paul Klee, descobre Alexander Calder, «um escultor que começou por construir um circo de brinquedo, com desperdícios, rolhas, bocadinhos de arame, pano. E que fazia performances, isto nos anos 20. Aos poucos, evoluiu para a produção de grandes brinquedos, de grandes esculturas à escala da cidade de Nova Iorque, de Paris».
     Neste caldear de caminhos, modela o seu: o do despojamento, o da procura do essencial, o da síntese: «Eu muitas vezes sinto-me aprisionado na forma, na representação. O grande salto era conseguir concretizar coisas absolutamente abstractas, quase reduzir os objectos ao seu movimento, torná-los desprovidos de forma».
     Este mesmo desafio inquietou, inquieta outros autores, sugere múltiplas formulações: «As sínteses são sempre pessoais. Quando descobri Calder achei que ele tinha encerrado o problema da escultura cinética, das grandes esculturas à escala urbana, a movimentarem-se. Entretanto, George Rickey – um escultor fantástico, que morreu há pouco tempo nos EUA, com noventa e tal anos – fez uma abordagem muito diferente, seguiu caminhos ainda mais abstractos. E o assunto não encerrou».
     A prova disso está também nas suas criações, nos ensaios e experimentos que projecta, modela, concretiza. Está nos seus jogos de bielas e manivelas, engrenagens, cremalheiras, nos seus maquinismos brincantes, nas suas articuladas geringonças, onde o corpo se transmuta em movimento, som, sorriso: «Ando a fazer uma série erótica. Acho fundamental trazer para o universo da brincadeira também o erotismo».
     Tudo quanto faz nesta esfera, diz, «é por gozo pessoal», que a sua actividade como arquitecto quase não lhe dá tempo para estas coisas: brincar. Para testar os limites do desenho, pô-lo em tensão até à infinitude, descobrir-lhe o ponto de ruptura: «Enquanto arquitecto, o desenho acaba no momento em que termino o projecto e o transfiro para outras pessoas. Como escultor, onde sou conceptor e executor, decido coisas quando passo da bi para a tridimensionalidade. Continuo a desenhar mentalmente, às vezes com os próprios materiais. Aqui o desenho não tem fim».
     Do traço concreto, dos traços imaginários, nascem as suas obras: brinquedos, os seus brinquedos – de que quase nunca se separa – e que são, simultaneamente, «pequenas maquetas para concretizações muito maiores, à espera de lugar». À espera que as cidades as conheçam, as façam suas também. E brinquem. «Claro, o objectivo é criar objectos lúdicos à escala das cidades, permitir uma fruição colectiva, tornar as esculturas dinâmicas, alegres». Inesperadas, como no caso da obra proposta para o Parque da Cidade, no Porto.
     O desafio está em tornar as estátuas lúdicas, coloridas, menos sorumbáticas, menos estáticas. Está em tornar, enfim, as estátuas não-estátuas. Tornar o vento, a luz, a água, corpos integrantes de composições escultóricas dinâmicas, expressivas, humoradas. Poéticas. Tudo em grande. A outra escala a que é urgente projectar o génio de Virgínio Moutinho.

Augusto Baptista, in 'Gente do Porto', Dezembro de 2017

in 'Notícias Magazine'

POESIA MAIOR

O QUE FICA PARA LÁ DO OLHAR.
PARA LÁ DO TEMPO E DO LUGAR, O ETERNO PRAZER DE BRINCAR

Brinquedos, máquinas de brincar, construções lúdicas ou quiçá o que mais lhe queiramos chamar, o dado que podemos dar como certo é que há nos artefactos do Virgínio Moutinho uma totalidade criativa absolutamente singular, uma autenticidade difícil de explicar. Digamos que não se pode meramente observar a sua obra como quem visita uma outra qualquer exposição: entra-se e entranha-se num mundo fascinante de sensações, simultaneamente tocante e belo.

Mais do que um criador, o Virgínio Moutinho é um encantador que materializa imagens através de uma linguagem muito própria e nos transporta, deste modo, para outra dimensão, entre o real e o imaginário – o sonho vivido, mais do que o ficcionado. E, de repente, sentimos através da sua obra o abismo entre opostos que estranhamente se equilibram: do engenho artesanal à sofisticada engrenagem mecânica; do mundo simples e sem limites da infância ao contexto complexo e normativo dos adultos; da dimensão minúscula do objeto à desmedida escultura colossal; do movimento vital do homem à sua natureza ociosa, sensual e erótica, do recurso aos materiais simples e naturais à opção por desperdícios industriais e reciclados; da inspiração na atividade primária da criança à hábil acção do arquitecto; do uso de motivos de arte bruta e naïf à sofisticação desenhada e elegante das Belas Artes...tudo num circuito de adrenalina único, interativo e altamente provocante, capaz de nos lançar para além de todas (as nossas e as sociais) barreiras.

Qualquer espectador fica desarmado perante esta montra viva, porque é absolutamente impossível resistir ao ímpeto de tocar, de explorar, de ouvir e de sentir a totalidade as suas criações – estas fixam-se até no silêncio do nosso depois, como se se tratasse de uma tela comtemplada em que é inevitável imaginar o enredo das cenas pintadas.

A obra do Virgínio Moutinho é uma experiência, é tudo o que fica para lá do olhar, é como se, repentinamente, mergulhássemos numa outra esfera, numa verdadeira didática de ofícios, de cores, de texturas e de sensações. Mais do que observar, vive-se. Eis-nos, pois, perante um criador, um sedutor! Há uma espécie de convocação aos Deuses, uma transcendência muito similar ao sentido mitológico dos gregos em que parecemos marionetas manipuladas por extravagantes divindades do riso, da brincadeira, da estética, do erotismo, da curiosidade, da física, da filosofia, da arte e da poesia.

Paradoxalmente, há neste encontro irrepetível que nos alegra e preenche uma certa insatisfação consequente das expectativas que criamos e nos fazem desejar experimentar mais e mais e mais as suas criações, numa sensação antecipada de nostalgia típica após a degustação de algo que queremos repetir na busca de uma satisfação igual ou maior, quase como se estivéssemos a viver num mundo de fantasia ou numa noite de Natal, onde ansiamos permanecer pequenos e atrevidos a desembrulhar freneticamente os presentes numa procura que nos diverte e nunca nos extenua.

E é neste jardim fecundo e pleno de encanto e de narrativas que, finalmente, percebemos como verdadeiramente todos nós vivemos para lá do tempo e do lugar, o eterno prazer de brincar.

Norma Pott, Outubro de 2019

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